25 recomendações de histórias com personagens bissexuais
e algumas notas sobre bissexualidade.
Continuando a tradição de divulgar histórias com personagens bissexuais, selecionei (mais) 25 obras para recomendar. :)
Essa é a terceira lista que faço, somando cerca de 75 obras. Em 2022, selecionei 27; e em 2023, selecionei mais 27. Mantenho o hábito de repetir recomendações, quando elas se tornam disponíveis em versões brasileiras.
A lista não segue minha preferência. Categorizei conforme seu formato: livro e quadrinho; e iniciei a lista com as obras disponíveis em português brasileiro primeiro.
Livros
01. Garota, Serpente, Espinho, por Melissa Bashardoust (trad. João Rodrigues).
Uma princesa que cresce nas sombras, pois tudo que ela toca morre. Mais venenosa que qualquer arma; mais monstruosa que qualquer vilão; por isso, vive escondida no palácio — até que escapa em busca do fim de sua monstruosidade.
Palavras-chave: Releitura de A bela adormecida; jovem adulto; inspiração persa (de um conto de fadas); autora iraniana/estadunidense; representatividade LBGT; romance sáfico; maldições e benções; protagonista bissexual; a princesa é um monstro.
02. O feitiço dos espinhos (#1), por Margaret Rogerson (trad. Sofia Soter).
Elizabeth é uma aprendiz de guardiã, criada e crescida em uma das Grandes Bibliotecas de Austermeer, rodeada por grimórios. Seu objetivo de vida é se tornar uma guardiã da biblioteca e protegê-los de feitiçaria. No entanto, depois de sabotarem sua biblioteca, matarem a diretora e roubarem um grimório — é ela que se torna suspeita do crime, tendo apenas um feiticeiro e seu criado como supostos aliados.
Palavras-chave: bruxas; aventura; fantasia; romance; pacto com um demônio; biblioteca mágica; interesse romântico bissexual.
03. Árvore inexplicável, por Carol Chiovatto.
Diana é uma universitária e desde jovem, ela é capaz de ver fenômenos que aparentemente só ela enxerga. Numa noite, ela vê uma ocorrência novamente e percebe que não foi a única a presenciar — o irmão de seu melhor amigo também viu. Enquanto Diana tenta desvendar o que são esses fenômenos, segredos mantidos a levam questionar sua sanidade. Descobrir o que está acontecendo é apenas a entrada para conhecer espécies raras e se tornar um alvo.
Palavras-chave: pandemia de Covid-19; realismo mágico; romance; aventura; história brasileira; interesse romântico bissexual; fantasia urbana; cidade de São Paulo; histórias com macacos; grupo de amigos; mistério.
04. A profecia da sereia (#1), por Clara Alves.
Lila é uma sereia incomum, pois, enquanto todas as sereias possuem uma alma gêmea, ela não tem. Ou pelo menos, é isso que ela acredita. Enquanto observava o mundo dos humanos, eventualmente, faz amizade com Daisy, uma feiticeira. Daisy ensina uma ou outra coisa sobre humanos para Lila, mas o mais interessante é a profecia de que Lila irá encontrar sua alma gêmea em uma festa de ano novo. Então, Lila reaparece à superfície todo último dia do ano no Rio de Janeiro, infiltrando-se em diferentes festas, na expectativa de conhecê-la. E quando, enfim, a conhece… A conexão é quase que instantânea.
Palavras-chave: Aquamarine vibes; conto brasileiro; sereias; feiticeira; ano novo; romance sáfico; amor à primeira vista.
05. O destino não é um endereço (#1 em Suprassuma #1), por Jana Bianchi.
Anis possui a capacidade de atravessar sombras. Uma habilidade que ela coloca em uso durante a ditadura militar no Brasil ao carregar pessoas de um lado para o outro, a fim de evitar que elas sejam torturadas e/ou mortas.
Palavras-chave: conto brasileiro; ficção histórica; ditadura militar do Brasil; drama psicológico; (pitadas de) romance.
06. Na Casa dos Sonhos, por Carmem Maria Machado (trad. por Ana Guadalupe).
A escritora revisita o relacionamento abusivo que teve com uma mulher, através da imagem da Casa dos Sonhos, em que existia uma promessa de feliz para sempre, passando pela gradual deterioração até o vazio assombrado do que restou. Em primeira pessoa, e de forma fragmentada, ela contextualiza sua relação com dados a respeito de relacionamentos abusivos entre mulheres LGBT, assim como essas agressões são percebidas fora e dentro da comunidade LGBT.
Palavras-chave: livro de memórias (memoir); representação de violência doméstica/relacionamento abusivo; escritora bissexual.
07. Conectadas, por Clara Alves.
Raíssa e Ayla se conheceram online jogando Feéricos, um dos jogos mais populares do momento. Desde que se conheceram, não ficam separadas. Ou pelo menos, virtualmente. Ambas sentem que podem ser elas mesmas quando estão conversando, mas só há um detalhe: como Raíssa usa um avatar masculino, a outra assumiu que ela é um garoto! A mentira nunca é revelada, mas terá seu fim, pois foi anunciado uma feira de Feéricos na cidade e ambas irão estar presentes. Em meio a cosplays, confidências e angústias adolescentes, pode um romance florescer entre elas?
Palavras-chave: romance jovem adulto; protagonista bissexual; jogos online; cosplay; catfishing; humor; romance sáfico; evento presencial; relacionamento à distância; livro brasileiro.
08. Motivos para (não) te encontrar, por Thais Bergmann.
Em meio a pandemia do Covid-19, Madu passou por mudanças no trabalho; e mais do que nunca está irritada com a exposição ao risco que precisa assumir enquanto lida com pessoas dando festinhas. Numa noite, após o trabalho bebe com sua melhor amiga (e colega de quarto) comentando de sua vontade em transar com alguém — alguém de pau grande, para ser mais exata. O namorado de sua amiga, em ligação, escuta e sugere apresentar seu amigo Matheus, um rapaz charmoso que a tenta quebrar a quarentena para dar umazinha!
Palavras-chave: romance jovem adulto; humor; protagonista bissexual; livro brasileiro; pandemia convid-19; amigos com benefícios para amantes; plot de falta de comunicação.
09. Fome: uma autobiografia do meu corpo, por Roxane Gay (trad Alice Klesck).
Quando adolescente, Roxane foi estuprada. Após o trauma, passou a comer compulsivamente para afastar as pessoas; tornando seu corpo uma muralha. Por anos, guardou essa história para si, mas agora e nesse livro, analisa a relação da violência sexual, seu corpo obeso e o que acontece quando não se processa os traumas adequadamente.
Palavras-chave: memoir (livro de memórias); descrição de violência sexual; descrição de gordofobia; escritora negra e bissexual; escritora estadunidense.
10. Semantic Error, por Soori Jeo (trad. Fernanda Cabral) — publicado pela Editora NewPop.
Sang-woo é um esquisitão do curso de Engenharia de Computação hiperfocado em programação que possui uma mentalidade 8 ou 80. Sua vida estava seguindo conforme seu planejamento até Jae-young, um veterano do curso de Design, passa o seguir em todos os lugares. Jae-young, a fim de vingar-se, decidiu incomodar o rapaz da forma mais passiva agressiva possível. Isso significa usar vermelho, roubar seu assento e o incomodar de forma geral. Todos os alertas vermelhos estão soando na cabeça de Sang-woo. Resta a pergunta: como se livrar desse erro semântico em sua vida?
Palavras-chave: vida universitária; escritor sul-coreano; opostos se atraem; protagonista bissexual; protagonista autista (headcanon); humor; romance aquileano; adaptado para anime; adaptado para manwha.
11. Nada para ver aqui, por Kevin Wilson (trad. Natalia Borges Polesso).
Após uma década sem se verem, Madison envia uma carta a Lilian oferecendo um emprego. Foram amigas no tempo de escola, mas após a expulsão de Lilian, nunca mais se viram; mantido apenas correspondência uma com a outra. Madison é casada com um Senador e tem um filho — o retrato da família perfeita. Lilian foi chamada para virar babá de seus enteados que irão passar a morar em sua mansão durante o verão. Cuidar de crianças de outros após negligência e abuso é uma situação delicada; e fica ainda mais delicado, pois Bessie e Roland entram em literal combustão — e isso precisa ser mantido em segredo para não atrapalhar às boas aparências…
Palavras-chave: protagonista bissexual; realismo mágico; tramoia de família rica; frienemies; escritor estadunidense; negligência e abuso infantil; crianças pegando fogo; found family; humor; conflito de classe; descrição de suicídio, abuso infantil e negligência infantil.
12. Mysteries of the Thorn Manor (#1,5), por Margaret Rogerson.
Após os acontecimentos em “Feitiço dos Espinhos”, Elizabeth e Nathaniel (e Silas) estão vivendo juntos sob a Mansão Thorn. Tudo parece bem, mas alguma espécie de armadilha mágica foi ativada na casa, o que está impedindo a entrada e saída. Certamente deve ser uma coincidência que isso aconteceu quando Elizabeth e Nathaniel estão ficando mais íntimos… certo?
Palavras-chave: bruxas; fantasia; romance; armadilha mágica; pacto com o demônio; vibes de “especial de natal”; interesse romântico bissexual.
Quadrinhos[1]
13. Confins de um sonho, por Yumi Sudo (trad. Drik Sada) — completo em 1 volume; publicado pela Editora Pipoca & Nanquim.
Enquanto elas ainda não pertenciam a nenhum marido, entregaram-se uma a outra. Quantas chances e de quantas formas duas mulheres têm de se amarem numa época em que não era permitido? Flashbacks de uma vida inteira, o amor as uniu, mas as circunstâncias as impediram…
Palavras-chave: Girls Love; tragédia; ficção história; romance sáfico; drama; autora japonesa; mangá josei.
14. Sasaki e Miyano, por Shou Harusono — completo em 10 volumes; (sendo) publicado pela Editora Panini.
Miyano frequenta uma escola exclusivamente masculina, possui um grupo de amigos e ama intensamente boys love. Seu senpai, Sasaki, enquanto procura compreender o que é boys love, se pega apaixonado por Miyano. Um boys love está para começar?!
Palavras-chave: vida escolar; slice of life; episódico; boys love; humor; mangá.
15. O cara que estou a fim não é um cara?!, por Sumiko Arai — +2 volumes; publicado pela Editora NewPOP.
Uma colegial entra numa loja de música e se depara com sua colega de turma, só que acredita ser um rapaz. O mal-entendido permanece durante semanas, a colegial gyaru ama música de rock e a colegial que parece um rapaz, é introvertida, trabalha na loja de seu tio e também ama rock. Com muito bom humor, as duas passam a ficarem íntimas, devido ao amor por música.
Palavras-chave: romance; girl love; personagens LGBT; mangá; humor; música; vida escolar; gyaru; mulher adota persona masculina (é confundida com um rapaz e não consegue desfazer o mal-entendido).
16. Pretty Guardian Sailor Moon, por Naoko Takeuchi — completo em 12 volumes; publicado pela Editora JBC.
Garotas mágicas que estão para serem despertadas e se tornarem as defensoras da justiça e do amor na Terra. Todas elas são a reencarnação de uma história de amor entre a princesa da Lua e o príncipe da Terra que deu incrivelmente errado. Mas agora, elas podem ter uma nova chance de vivenciar a felicidade e derrotar a escuridão que os ameaça.
Palavras-chave: mangá shoujo; clássico; garotas mágicas; viagem no tempo; almas gêmeas; romance; protagonista bissexual.
17. Pumpkinheads, por Rainbow Rowell e ilustrado por Faith Erin Hicks — completo em 1 volume.
Deja e Josiah estão no último ano do colégio. Logo, esse halloween será o último em que poderão trabalhar juntos no evento da cidade antes de cada um ir para a respectiva faculdade. São amigos, embora polos opostos. Ele, introvertido e com dificuldade de iniciar tarefas; ela, extrovertida e desenrolada. Todo ano, Josiah tagarela sobre sua crush para Deja, mas esse ano Deja decidiu que ele irá tomar uma atitude! Quando escapam de seu turno de trabalho, se envolvem em uma aventura… e aproveitam o halloween juntos.
Palavras-chave: cidade pequena; graphic novel; trabalham juntos na estande do evento; dia de halloween; de idiotas para amantes; protagonista bissexual; protagonista gorda; protagonista negra; humor.
18. Yamada and the boy, por Mita Ori — completo em 1 volume.
Na noite de natal, Yamada estava retornando do trabalho quando se depara com um rapaz bêbado e chorando na sarjeta. Preocupado, leva-o para casa e tenta averiguar o motivo de Chihiro estar nessa situação. O rapaz é gay. Após se conhecerem, se aproximam e sentimentos passam a tomar conta.
Palavras-chave: boys love; romance com diferença de idade; noite de natal; mangá; tropo “gay for you”.
19. Restart After Coming Back Home, por Cocomi — completo em 1 volume.
Mitsuomi saiu do interior para tentar a vida em Tokyo. No entanto, aos 25 anos, foi demitido de seu emprego e retorna para casa arrasado. Enquanto tenta descobrir como recomeçar, encontra o amigável Yamato, um rapaz de sua idade que foi adotado por um vizinho enquanto esteve fora. Os dois rapidamente se tornam inseparáveis, apesar de Mitsuomi frequentemente estar irritado e Yamato apenas sorrisos. Numa cidade pequena, um encontra no outro paz de espírito, mesmo diante de situações desconfortáveis.
Palavras-chave: boys love; mangá; romance; protagonista bissexual; vida interiorana; protagonista órfão; dinâmica grumpy-sunshine.
20. Restart Can Be Hungry, por Cocomi — completo em 1 volume.
Alguns anos passaram desde que Mitsuomi e Yamato se tornaram um casal. Nem todos sabem do relacionamento, e pretendem viver discretamente; são inseparáveis, embora possuam dificuldades em falar abertamente de seus sentimentos. Enquanto veem seus amigos se casarem e terem filhos, Mitsuomi passa a questionar como nomear o relacionamento a ponto de propor oficializar a parceria, enquanto Yamato questiona como fazer Mitsuomi feliz.
Palavras-chave: boys love; mangá; romance; protagonista bissexual; vida interiorana; protagonista órfão; dinâmica grumpy-sunshine; sequência de Restart After Coming Back Home.
21. Even though we’re adults, por Takako Shimura — completo em 10 volumes.
O amor nunca fica mais fácil só porque você ficou mais velha, prova disso é o relacionamento de Ayano e Shuri. Elas se encontram, ambas em seus 30 e pouco anos, se beijam e desejam continuar o relacionamento; mas, Ayano esqueceu de contar que já tem um marido.
Palavras-chave: personagens LGBT; romance sáfico (girls love); protagonista bissexual; slice of life; protagonista professora; adultério; mangá josei; mangaka japonês.
22. Hiraeth: the end of the journey, por Yuhki Kamatani — completo em 3 volumes.
Uma garota que deseja morrer, um homem que não consegue morrer e um deus que está morrendo, juntos em uma road trip paranormal a caminho do mundo do mortos.
Palavras-chave: road trip paranormal; temas de suicídio e morte; mitologia japonesa; mangá seinen; personagens LGBT (representatividade bissexual, não binária e assexual); luto.
23. Mine-kun is asexual, por Isaki Uta — oneshot.
Mine-kun é assexual. Isto é, não deseja intimidade sexual em seu relacionamento. Murai é apaixonada por ele e se confessa. Mine-kun aceita namorar na condição dela aceitar que intimidade sexual não irá acontecer entre eles. Eles se amam, mas não parece que é o suficiente para ela.
Palavras-chave: one-shot; mangá; romance; assexualidade e bissexualidade; LGBT; romance; casal adulto.
24. Run away with me, girl, por Battan — completo em 3 volumes.
Maki e Midori foram namoradas durante o colégio, mas quando se formaram; cada uma seguiu seu próprio rumo. Dez anos depois, se reencontram. Enquanto para uma, o amor ainda não acabou; a outra, se esforça em se encaixar no papel que sempre almejou — uma mulher casada dentro das convenções sociais. Quando Midori convida Maki para sua casa, revela que está noiva e grávida. Maki deseja parabenizá-la, no entanto, Midori não aparenta estar feliz… Então, Maki a convida para fugirem juntas… numa viagem que irá mudar o rumo da vida de todos os envolvidos.
Palavras-chave: girl love; papeis de gênero; heterossexualidade compulsória; protagonista lésbica; casal adulto; romance de segunda chance; violência doméstica.
25. Still Sick, por Akashi — completo em 3 volumes.
Makoto é uma funcionária regular e está vivendo tranquilamente até que uma colega, Maekawa, descobre seu segredo — Makoto desenha e vende quadrinhos girl love como um hobby! Maekawa adora provocar Makoto sobre girl love e sua arte, e enquanto elas se tornam próximas, o segredo de Maekawa vêm a tona — ela costumava ser uma mangaka! Enquanto a relação entre as mulheres se aprofunda, Maekawa recebe uma nova chance de ver sua habilidade em desenhar e contar histórias.
Palavras-chave: girls love; romance sáfico; mangá; work romance (elas são colegas de trabalho); humor; escritores de mangá.
Notas sobre bissexualidade (na literatura)
O dia 23 de setembro é o dia em que se discute a visibilidade bissexual desde 1999. O objetivo é ampliar vozes desse grupo, reafirmar a existência da sexualidade e combater todas as formas de discriminação.
Relembrando O Manifesto Bissexual[2]:
Estamos cansados de sermos analisados, definidos e representados por outras pessoas que não nós mesmos; ou, ainda pior, nem sermos considerados. Estamos frustrados com a imposição do isolamento e a invisibilidade advindas da expectativa de anunciar ou escolher uma identidade homossexual ou heterossexual. Monossexualidade é um ditame heterossexista usado para oprimir homossexuais e para negar a validade da bissexualidade. Bissexualidade é uma identidade, por si só, fluida. Não assuma que a bissexualidade é naturalmente binária ou duagâmica: que temos “dois” lados ou que devemos estar envolvidos com dois gêneros simultaneamente para sermos vistos plenamente como seres humanos. Na verdade, não assuma que apenas exista dois gêneros. Não confunda fluidez com confusão, irresponsabilidade ou, ainda, incapacidade de se comprometer romanticamente. Não equipare promiscuidade, infidelidade ou, ainda, comportamento sexual inseguro a bissexualidade. Estes são comportamentos humanos que atravessam todas as orientações sexuais. Nada deve ser assumido a respeito da sexualidade alguém, e isto inclui sua própria sexualidade. Estamos furiosos por aqueles que se recusam a aceitar nossa existência; nossas questões; nossas contribuições; nossas parcerias; nossas vozes. Está na hora de vozes bissexuais serem ouvidas.
(minha tradução)
É imperioso relembrarmos o Manifesto Bissexual, pois evidencia que em, no mínimo, três décadas, pessoas bissexuais afirmam estarem cansados de pontuar que nada deve ser presumido da sexualidade de ninguém.
De fato, estamos cansados; estamos frustrados; e estamos furiosos.
Não há como presumir como alguém viverá sua sexualidade; não há como definir a “experiência bissexual”, tal como não há como estabelecer a “experiência humana” a uma singular trajetória. Sendo redundante, indivíduos são individuais. Cada pessoa deve(ria) ter a possibilidade de viver sua sexualidade da forma que assim o desejar – e isso, obviamente, não abre espaço para legitimar abusos, pois a violência sexual contra alguém necessariamente impede que a vítima escolha se deseja ou não a relação sexual.
Redirecionando a discussão a literatura, enquanto organizei essa lista (e as listas passadas), assumi a sexualidade de vários personagens – mas isso não impede ninguém de interpretá-los diferentemente.
Descrição de imagem: Quatro conjuntos se interseccionando. De cima para baixo e da esquerda para a direita: o conjunto de bissexuais; conjunto de polissexuais; conjunto de ominissexuais; e conjunto de pansexuais. Entre o primeiro e o segundo, a afirmação “eu não me atraio por todos os gêneros”; entre o segundo e o quarto, “eu me atraio mais pela pessoa do que pelo gênero dela”; entre o terceiro e o quarto, “me atraio por todos os gêneros”; entre o primeiro e o terceiro, “eu acho a masculinidade, feminilidade e androginia atraentes de diferentes jeitos e formas”. A interseção entre os quatro conjuntos, tem a afirmação “me atraio por mais de um gênero”.
No diagrama acima (feito pelo @prideballs), existe uma intersecção entre bissexuais, omnissexuais, pansexuais e polissexuais – “me atraio por mais de um gênero”.
Certamente, há controvérsias a respeito das assertivas que abrangem apenas duas sexualidades (inclusive, eu discordo delas rs); e, muito provavelmente, nem todas as pessoas irão concordar com essas afirmações (eu, pelo menos, discordo rs) a respeito de sua própria sexualidade.
A meu ver, o objetivo desse diagrama não é restringir e limitar a forma como uma sexualidade é definida e vivenciada. Creio que seu objetivo é apontar que há interseções entre elas; e, mesmo assim, cada uma permanece uma sexualidade inteira, não parte de outra.
Na verdade, cada um apenas pode falar por si próprio. Eu apenas posso falar por mim; e não estou disposta a definir outros que não eu mesma.
Não obstante, concepções de sexualidade, raça, gênero (e outras) são mutáveis. Elas frequentemente se aplicam a culturas em épocas bem específicas.
Exemplificando:
A concepção de negritude no Brasil não segue as mesmas concepções que a negritude nos Estados Unidos[3].
A concepção do que é uma mulher, e demais concepções de gênero, não são equivalentes na Nigéria antes e depois da colonização[4].
A concepção de sexualidade pode se tornar situacional em prisões femininas brasileiras, com mulheres presas afirmando “estou lésbica” [5], enquanto se relacionam com outra mulher; ao invés de reivindicar “serem lésbicas”.
Diante de tal mutabilidade, afirmar categoricamente uma sexualidade apenas é possível em obras em que o personagem se defina dessa forma. Ademais, friso personagem, pois afirmações além do livro, mesmo que proferidas por quem o escreveu, são apenas interpretações possíveis. Afinal, para todos os fins, o autor está morto[6].
Antes de exemplificar as possibilidades de interpretar a sexualidade de personagens de uma ou outra forma, é necessário ponderar algumas coisas:
Primeiro: como verificar a sexualidade de personagens em gêneros literários que constroem outros mundos?
Segundo: como verificar a sexualidade de personagens em obras em que o termo ‘bissexualidade’ não é reivindicado para si?
E, terceiro: como identificar o “personagem bissexual”?
Em mundos construídos em fantasias, ficções científicas e outros (para não dizer todos os gêneros literários rs); são mundos que não precisam seguir as regras de nosso mundo – a menos, é claro, que o autor assim o estabeleça. Dessa forma, não apenas não há como afirmar que alguém necessariamente seja bissexual, como não há como afirmar que seja heterossexual; pois esses termos não precisam ser aplicados automaticamente em mundos inventados[7].
“Por que um personagem seria bissexual?”, você pode questionar. Oras, por que não?
A pergunta facilmente poderia ser “por que heterossexual?”.
Mais apropriado seria questionar: por que imaginar dragões cuspindo fogo são mais fáceis em serem imaginados que conceber diversidade em sexualidades, aparências físicas[8] ou qualquer outra característica?
Por que coelhos falantes amigos de crocodilos tímidos (ou similares comuns em livros infantis) aparentam ser menos questionados a respeito de sua verossimilhança que narrativas que representam a pluralidade que já existe na humanidade?
Um coelho falante amigo de um crocodilo tímido? Possível. Um super-herói gay? Controverso; difícil de imaginar. Um duende? Possível. Um duende negro? Controverso; difícil de imaginar...
Dentro da saga de Avatar: A Lenda de Aang (criada por Bryan Konietzko e Michael Dante DiMartino); na sequel, A Lenda de Korra, é possível afirmar a sexualidade da protagonista Korra enquanto bissexual.
Korra, no decorrer de seu desenvolvimento, se apaixona por um homem e, posteriormente, por uma mulher. Na graphic novel, The Legend of Korra: Turf Wars, Korra e Asami se tornam oficialmente um casal.
Na obra, a palavra ‘bissexual’ não é dita. No entanto, o casal conversar, se beijar, interagir diante do céu nas cores da bandeira bissexual reivindica o termo para ambas as personagens. Esta paleta de cores não é usada apenas uma vez; ela é constante em sua narrativa.
Descrição de imagem: Korra e Asami em meio a conversa em The Legend of Korra: Turf Wars; as cores da bandeira bissexual, rosa, roxo e azul, se tornam a paleta de cores do céu.
Descrição de imagem: Mais Turf Wars em que o céu é bissexual.
Descrição de imagem: Korra e Asami admirando o Mundo Espiritual em The Legend of Korra: Turf Wars; as cores da bandeira bissexual, rosa, roxo e azul, se tornam a paleta de cores na composição do ambiente.
Descrição de imagem: Korra e Assami admirando o céu bissexual no Mundo Espiritual.
Mais à frente, nessa graphic novel, a protagonista de A Ascensão de Kyoshi (trad. Paloma Blanca) é mencionada.
É dito que Kyoshi amava tanto homens quanto mulheres. O termo bissexual nunca é dito. Infelizmente, ao contrário de Korra, (ainda) não há céu bissexual, pois as novels não usam ilustrações.
Eu assumo que ela seja bissexual, mas é possível e igualmente válido que alguém a leia diferentemente.
A falta do termo em Kyoshi dá espaço para outras leituras de sua sexualidade.
No que diz respeito a ficção “mais realista”, isto é, que não se propõe a usar de elementos fantásticos, a falta da reivindicação de uma sexualidade específica por um personagem, também deixa aberto a interpretação.
Ademais, muitas vezes essa “ambiguidade” pode funcionar como indicador de falta de vocabulário do personagem; e seus relacionamentos com pessoas do mesmo gênero, algo que o personagem evitaria comentar.
Em O Quarto de Giovanni, por James Baldwin (trad. Paulo Henriques Britto), David é um rapaz estadunidense vivendo em Paris à espera de sua namorada que, por sua vez, está passeando na Espanha. Enquanto ela pensa se irá ou não se casar com David, ele encontra Giovanni, um rapaz italiano. O protagonista está envolvido romanticamente e sexualmente com Giovanni. Inclusive, moram juntos no quartinho.
Devido a relação com um homem e uma mulher, é possível argumentar que David é bissexual.
Ao mesmo tempo, também creio ser possível argumentar que a relação com a noiva era baseada em seu desejo de seguir a heteronormatividade; considerando atrações por homens algo a ser superado e/ou evitado. Nesse caso, David seria gay; não bissexual.
A história não nos diz a resposta; pois está ocupada respondendo e conjecturando outros temas[9].
Robyn Ochs, em Finding Bisexuality in Fiction[10], discorre longamente sobre bissexualidade de personagens em livros de ficção, em especial as formas em que são representados.
Ao organizar uma bibliografia de livros bissexuais, ela percebe temas recorrentes: uso de triângulo amoroso, em que o personagem bissexual está no centro perante um personagem feminino e outro masculino; uma história de descobrir-se atraído por alguém do mesmo gênero; a bissexualidade como resultado de experimentação sexual passageira; entre outras representações.
Ademais, Ochs também observa a ausência do termo “bissexual” na retratação de boa parte dos personagens.
Diante dessa lacuna, relembra:
“Rótulos são ferramentas. Ferramentas que ajudam a nos descrever a nós mesmos – assim como a outros. Não são elementos fixos e imutáveis. A verdade é que cada um de nós é único. Rótulos, embora úteis, nunca poderão ser plenamente suficientes para descrever pessoas de verdade – e, também, não devem ser confundidos com a realidade. Nesse sentido, podemos ser capazes de encontrar nossa própria identidade bissexual na ficção, independentemente da autoidentificação do personagem e/ou da intenção do escritor.” (minha tradução).
In fine, continuarei montando listas com representatividade bissexual. De fato, podemos encontrar nossa própria identidade bissexual na ficção, independentemente de qualquer coisa; mas reivindicar o termo “bissexual” é ir contra a maré de apagamento e invisibilidade bissexual. Faço das palavras do Manifesto Bissexual as minhas: Está na hora de vozes bissexuais serem ouvidas.
Para mais recomendações:
LGBTQ Reads; The Bi Library; Livros Nacionais BR.
Referências bibliográficas:
BALDWIN, James. O quarto de Giovanni. Tradução por Paulo Henriques Britto. Companhia das Letras; 1. ed,2018.
BARTHES, Roland. A Morte do Autor. In O Rumor da Língua. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
Bisexual Literature: A Journey through diverse narratives.
Bisexual Manifesto (1990), in Anything That Moves. Republicado em Bialogue.
CASTRO, Susana de. Questões de raça e colonialidade em O quarto de Giovanni de James Baldwin. Letrônica, [S.I.], v.15, n. 1, p. e42944, 2022. DOI: 10.15448/1984-4301.2022.1.42944. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/letronica/article/view/42944.
DIMARTINO, Michael Dante; KONEITZKO, Bryan; FISH, Veronica; KOH, Irene. The Legend of Korra: Turf Wars. Dark Horse Books; 2019.
OCHS, Robyn. Finding Bisexuality in Fiction. In Getting Bi: Voices of Bisexuals Around the World.
OYĚWÙMÍ, Oyèrónkẹ́. A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero. Tradução por Wanderson Flor do Nascimento. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo; 1 ed, 2021.
PINHO, Patricia de Santana. Descentrando os Estados Unidos nos estudos sobre negritude no Brasil. In Revista Brasileira de Ciências Sociais; outubro de 2005. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-69092005000300003
QUEIROZ, Nana. Ser Lésbica x Estar Lésbica na Cadeia. In Presos que menstruam: a brutal vida das mulheres tratadas como homens nas prisões brasileiras. Rio de Janeiro: Editora Record; 14. ed, 2015.
YEE, F.C.; DIMARTINO, Michael Dante. A Ascenção de Kyoshi: o passado da poderosa Avatar do Reino da Terra. Tradução por Paloma Blanca. Planeta; 1. ed, 2022.
Notas de rodapé:
[1] Procuro constantemente mencionar os tradutores de todas as obras. No entanto, há dificuldade em encontrar essa informação no que diz respeito a mangás. Em Editoras que costumeiramente trazem essas obras ao Brasil, as fichas técnicas não contêm o nome do tradutor. Por isso, nem todos os aqui recomendados terão o nome anexado ao lado. Minhas desculpas aos profissionais invisibilizados.
[2] Bisexual Manifesto (1990), publicado na revista Anything That Moves. Republicada no blog Bialogue.
[3] PINHO, Patricia de Santana. Descentrando os Estados Unidos nos estudos sobre negritude no Brasil. In Revista Brasileira de Ciências Sociais; outubro de 2005. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-69092005000300003
[4] OYĚWÙMÍ, Oyèrónkẹ́. A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero. Tradução por Wanderson Flor do Nascimento. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo; 1 ed, 2021.
[5] QUEIROZ, Nana. Ser Lésbica x Estar Lésbica na Cadeia. In Presos que menstruam: a brutal vida das mulheres tratadas como homens nas prisões brasileiras. Rio de Janeiro: Editora Record; 14. ed, 2015.
[6] BARTHES, Roland. A Morte do Autor. In O Rumor da Língua. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
[7] Na verdade, nem deveriam ser aplicados em nosso mundo. É preciso desinventar certos mundos que limitem e cerceiem e inventar novos mundos capazes de nos garantir dignidade. Afinal, o nosso mundo também é inventado.
[8] Game of Thornes, por exemplo, foi uma série de televisão adaptada de uma série de livros, em que seu elenco é formado quase que inteiramente por pessoas brancas. George R. R. Martin, o escritor dessa série, admite a falta de pluralidade e reflete um pouco a respeito nesse vídeo.
[9] No caso de O quarto de Giovanni, pode-se observar discussão de alienação social, ideais de masculinidade, percepções públicas de relações entre homens, racismo e xenofobia (vez que, na época, italianos não eram percebidos como brancos) e branquitude. Muitos analisaram a obra, mas gostaria de destacar o artigo de Susana de Castro. Veja em: CASTRO, Susana de. Questões de raça e colonialidade em O quarto de Giovanni de James Baldwin. Letrônica, [S.I.], v.15, n. 1, p. e42944, 2022. DOI: 10.15448/1984-4301.2022.1.42944. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/letronica/article/view/42944.
[10] OCHS, Robyn. Finding Bisexuality in Fiction. In Getting Bi: Voices of Bisexuals Around the World.